O valor social do trabalho e da livre iniciativa é princípio fundamental da República. Tal princípio cuida tanto da força operária, quanto da força empregadora e traz, igualmente, defensores de ambos os lados quando posta sob análise uma questão correlata. No caso do tema necessidade de prévia negociação sindical como requisito para demissões em massa, não é diferente.
Os defensores da desnecessidade de prévia negociação sindical afirmam que não permitir o empregador de decidir como bem entender quem ou qual seria seu quadro de funcionários configura vilipêndio ao princípio constitucional da livre iniciativa. Segundo eles, o direito ao trabalho e à livre iniciativa deve se compatibilizar e harmonizar-se, devendo ser dada ao empregador o direito de organizar seus fatores de produção, dentre eles o humano, para melhor enfrentar os riscos da sua atividade, dentre outros argumentos construídos tendenciosamente.
Todavia, esquecem de alguns outros conceitos que, no meu entender, são superiores. Em princípio, o risco da atividade econômica não pode ser transferido aos empregados; este é do empregador, detentor do poder econômico – trata-se do princípio da alteridade, ou seja, assunção dos riscos pelo empregador.
O texto constitucional também traz diretrizes e comandos concretos a impedir e rebater a permissão de demissões em massa sem prévia negociação coletiva que, numa interpretação sistemática e, não tendenciosa, reforçam a tese daquela necessidade, como, por exemplo: a proibição contra a despedida injusta ou sem justa causa, a necessidade de negociação coletiva para a redução salarial e de jornada, o reconhecimento das convenções coletivas de trabalho e a obrigatória participação dos sindicatos, elevada ainda mais por tratar-se de direito coletivo.
Afora isso a Convenção n° 98 da OIT dispõe que se devem tomar medidas apropriadas a fortalecer a efetivação das negociações coletivas como forma de regular termos e condições de emprego (art. 4°). Também o Protocolo de San Salvador, que determina a adoção de medidas que garantam a efetividade do direito ao trabalho (art. 6°) e a Convenção 158, da OIT, que embora denunciada no governo FHC, veda a dispensa arbitrária. Assim, conforme noticiou Marcos Fernandes Gonçalves¹, o fundamento dos tratados internacionais relativizam o poder que têm os empregadores de direção da relação de trabalho, pois o direito ao emprego é direito fundamental do trabalhador que, se violado, deve ser restabelecido.
Em verdade, proteger o emprego – e, no caso, muitos ou talvez milhares de empregos – é proteger as condições de trabalho, o sindicato, garantindo o processo e viabilizando o acesso à Justiça², é proteger a sociedade, às vezes a quase totalidade da comunidade de uma cidade ou região, e sua respectiva economia, é proteger até mesmo outras empresas que indiretamente dependam da empresa pretendente a despedir; é proteger cada norma trabalhista e, em definitivo, proteger o próprio direito e tudo no que nele se baseia e crê.
Demissões em massa, sem prévia negociação coletiva, em que se possam definir métodos ou alternativas para minorar os efeitos da crise não só para os empregados, como também para a empresa (por exemplo: diminuição da jornada de trabalho e diminuição equitativa dos salários) é atentado contra inúmeros princípios constitucionais, dentre eles a função social da propriedade (e da empresa), a própria livre iniciativa, harmonizada com o valor social do trabalho, o princípio da confiança, alteridade, segurança jurídica, dignidade da pessoa humana, etc.
É bem verdade que, agravando-se ainda mais a situação econômica mundial, demissões podem tornar-se o único meio de fuga da derrocada completa de uma empresa, mas aquelas devem ser precedidas dos meios existentes para a busca do fim comum.
Demissões diretas em massa é demonstração de nenhuma solidariedade frente às difíceis condições diante do que passa todo o globo, divergindo da vontade quase que geral em minorar-lhe os efeitos. Não fosse essa vontade, inexistiria diminuição de carga tributária em vários setores, como no caso do IPI e do próprio imposto sobre a renda da pessoa física. Não se pode conceber uma sociedade onde a busca pelo lucro, objetivo principal do sistema capitalista, tem maior força do que todo o arcabouço constitucional de proteção ao trabalho e função social da propriedade, com seu conseqüente efeito sobre a dignidade da pessoa humana, sendo imprescindível a negociação sindical para demissões em massa, em definitivo.
Ciro Magalhães Araújo
Servidor do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e Pós-Graduado em Direito do Estado pelo Curso Jus Podivm/Universidade Unyana
¹ GONÇALVES, Marcos Fernandes. http://www.juslaboral.net/2009/02/demissoes-em-massa-incidencia-de.html Acessado em 10.03.2009.
² TRT da 15ª Região. Acórdão do Dês. Sotero da Silva.
Oi, Mateus, adorei seu blog! Acompanho um movimento nacional dos demitidos do BB através de uma lista de discussão, e vou indicar que eles leiam esse artigo, que pode ser útil para o embasamento argumentativo dos líderes. Cheguei aqui pois nas estatísticas do Site do PL552/07 apareceu que vc o tinha linkado. Obrigada pelo apoio. Vc tb foi aprovado?
ResponderExcluirPara quem tiver interesse: www.pl552.com.br
Rapaz, esse Ciro escreve muito bem.
ResponderExcluirQuem é esse cara?
Orgulhosa de meus amigos.
ResponderExcluirÓtimo blog e excelente texto.
Parabéns pra vcs.
Nossa! Também estou orgulhosa dos meus queridos amigos. Mateus, não conhecia o seu blog. É muito interessante, atual, com comentários engraçados... A partir de então, serei visitante assídua! Meus parabéns pela ideia e pela criatividade.
ResponderExcluirCiro, texto absolutamente atual e de interesse comum a muitas pessoas. É claro e bem escrito, com argumentos bem fundamentados. Parabéns. Sucesso na carreira de autor de artigos.