quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Ideias polêmicas, argumentos inteligentes - Entrevista com Maria Lúcia Karam.


Essa é uma entrevista dada em meados do mês de junho de 2008 pela juíza Maria Lúcia Karam para a Revista Época.

A princípio, assim como eu, você leitor pode achar estranho a legalização das drogas e louco aqueles que defendem essa idéia.

No entanto, preste atenção nos argumentos da juíza e depois raciocine consigo mesmo.

Afinal de contas é preciso haver uma saída para a onda de violência que tem a sua origem principal no tráfico ilícito de drogas.

QUEM É
Integrante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCcrim) e do instituto americano Law Enforcement Against Prohibition, uma ONG antiproibição de drogas

O QUE FEZ
Foi defensora pública, juíza no Rio de Janeiro e juíza-auditora da Justiça Militar

O QUE VAI PUBLICAR
Vai lançar o livro Proibições, Riscos, Danos e Enganos: as Drogas Tornadas Ilícitas. É autora de De Crimes, Penas e Fantasias.

ÉPOCA – Como magistrada, a senhora sempre considerou inocentes os portadores de drogas. Por quê?

Maria Lúcia Karam – A proibição das drogas é inconstitucional. A Constituição garante a liberdade individual. Na democracia, o Estado só pode intervir na conduta de uma pessoa quando ela tem potencial para causar dano a terceiro, e a decisão de usar algum tipo de droga é uma conduta privada, não diz respeito a terceiros. Numa democracia, qualquer proibição é uma exceção. A regra é a liberdade individual.

ÉPOCA – O jurista Miguel Reale Jr. diz que a proibição das drogas é como a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança. Seria o Estado protegendo o indivíduo de si mesmo.

Maria Lúcia – Ninguém pode ser obrigado a usar cinto de segurança. Você pode estar fazendo um mal a você mesmo, mas isso faz parte da liberdade. Faz parte da liberdade individual você querer se fazer mal.

ÉPOCA – No caso de dependentes de drogas, a Justiça não deve expedir sentenças que ajudem no tratamento, como a internação psiquiátrica obrigatória?

Maria Lúcia – Não. Primeiro, porque é uma pena e, como qualquer pena, viola a liberdade. O Estado não pode intervir de forma nenhuma. Em segundo lugar, também acho que não funciona. Ao menos na imensa maioria dos casos. Qualquer tratamento psicológico só funciona se a pessoa quiser.

ÉPOCA – O que fazer com os dependentes?

Maria Lúcia – Eles têm de ter garantido o atendimento no sistema público de saúde.

ÉPOCA – A legalização não aumentaria o consumo?

Maria Lúcia – O consumo se deve a muitos fatores. É como o aborto. É irrelevante o fato de ser legal ou ilegal. Pesquisas realizadas na Holanda e nos Estados Unidos em 2005 negam a tese de que o consumo aumentaria. Na Holanda, onde é permitido usar maconha e haxixe nos coffee shops, registrou-se um porcentual de 12% de consumidores de maconha entre jovens de 15 a 24 anos. Nos EUA, 27,9% dos jovens de 18 a 25 anos eram consumidores.

ÉPOCA – Muita gente dirige alcoolizada e muitas pessoas morrem em acidentes provocados pelo álcool. Como evitar os mesmos tipos de excessos relacionados a drogas se elas fossem legalizadas?

Maria Lúcia – A legalização permite uma regulação. Você pode estabelecer determinadas restrições, como já existe em relação ao cigarro. Você pode regulamentar o uso e a venda, sem violar a liberdade individual. Qualquer restrição tem de estar relacionada ao fato de a conduta poder causar danos a terceiros.

ÉPOCA – A legalização não aumentaria a criminalidade?

Maria Lúcia – Ela reduziria. Só existe violência associada à produção e ao comércio de drogas porque esse mercado é ilegal. Num mercado legal como é o do álcool, as disputas se resolvem dentro da lei. No mercado ilegal, as disputas comerciais e econômicas vão se resolver na base da força. Quem provoca a violência, portanto, é o Estado.

2 comentários:

  1. Eu sempre fui contra a legalização, mas confesso que os argumentos utilizados pela entrevista são coerentes. Deve haver uma discussão longa sobre o assunto, para que não se cometam erros. A população tem que ser consultada, para que a democracia seja efetiva.
    Muito bom o post.

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  2. É sem dúvida uma grande discussão, mas acho que existem outros aspectos a serem debatidos. Acredito por exemplo, que a dependência se relaciona muito mais com a motivação que o indivíduo tem de consumir drogas do que com a disponibilidade dos produtos.
    Parabéns amor! O blog está excelente, muito interessante.

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